18.11.06

Será que ainda posso usar calças com buracos?! VII

Conhecia-se bem. A água a percorrer-lhe calmamente o corpo, tão quente que chegava a magoar-lhe a pele, esticar o mais possível os cabelos molhados pelas costas. A água a deslizar pelo rosto confundia-se com as lágrimas que só naquele momento permitiu, tudo se misturava.
Não gostava de se sentir assim, frágil. O corpo pedia tanto um abraço que chegava a doer. Repetiu, determinada, as palavras do seu poeta de eleição: “Digo não ao medo que me apavora e juro ao coração que virá cedo a calma que demora”. Obrigou-se a um sorriso. A sobrinha Rute tinha razão, os seus sonhos já lhe tinham pregado muitas partidas, mas nunca tinha perdido a capacidade de sonhar, nunca tinha deixado de acreditar que podia caminhar nas nuvens, se assim o desejasse. Também não seria agora. Sentiu-se capaz das maiores loucuras.
Atirou a toalha do banho, cor-de-rosa, para o chão. Apressou-se a escolher a roupa. A da viagem a Paris. Recordou com tal intensidade que imaginou que Diogo poderia adivinhá-la naquele momento.
Abriu novamente a página do seu “blog”. As palavras frias que se obrigava a escrever estavam ali a mostrar algo que ela não era. Não estava a ser verdadeira com ela própria. Lembrou-se da promessa feita há já vários anos: “Luta sempre pelos teus sonhos e sê verdadeira contigo própria”.
Sentia-se um exemplo para a Rute. Não a podia desiludir. As palavras dela eram bem claras: “Ti, só tu consegues imprimir tal doçura nas palavras, se sentes, não o escondas. Mais ninguém consegue dizê-lo como tu…”
Mas o que era aquilo que mais ninguém dizia como ela?! Joana não se sentia capaz para o dizer. Poucas vezes o tinha dito. Sempre acreditou que as palavras não podiam ser deixadas ao acaso. Porque o vento pode levá-las, mas volta sempre a trazê-las.
Sorriu. E escrever. O mais tranquilamente que conseguiu. Palavra a Palavra. Letra a Letra. Imprimiu em cada letra o máximo de doçura que conseguiu, como se daquelas palavras dependesse o mundo. Escreveu e leu aquilo que escreveu. Voltou a ler e sorriu:
“G o s t o d e T i”
(continua)

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